sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Do eclesiasticismo

Kerigma <-> Koinonia <-> Ekklesia

A sistematização acima visa tão somente esclarecer um processo que se apresenta inicialmente em uma relação causal entre os termos e, muito provavelmente, uma coexistência, ou melhor, uma subsistência interdependentemente cíclica, sem nenhuma relação hierárquica que passa a transitar em todos os sentidos possíveis, dentro desta relação. Voltaremos a tratar, mais adiante, sobre este trinômio bíblico, mais especificamente, neotestamentário, que consiste na estrutura fundamental do cristianismo sobre a qual se organiza a religião institucionalizada.

A religião é, per si, um fenômeno institucional. No entanto, ela não se restringe ao âmbito meramente institucional, tendo em vista o seu teor profundamente doutrinal e sua vocação de fé. Destarte, é possível entender a religião como a institucionalização de uma crença comum e, ao mesmo tempo, lidarmos com o problema do institucionalismo religioso.

O que vem a ser este "institucionalismo"?

Ao meu ver, trata-se do que se observa quando a instituição torna-se o fim em si mesma e não, apenas, o meio através do qual as pessoas organizam-se, reúnem-se e realizam os propósitos desta instituição. O institucionalismo religioso é o deslocamento das prioridades fundamentais, a defesa tácita ou explícita da instituição religiosa mesmo em detrimento dos princípios sobre os quais ela foi instituída.

Poderíamos passar um longo tempo discorrendo sobre as formas que este institucionalismo tem se alastrado não apenas na igreja cristã mas em todos os segmentos da sociedade, por isso vivemos em uma época de quase total descrédito das instituições por que elas se deixaram depravar por esta tendência mesquinha e covarde de encastelarem-se em suas próprias paredes arruinadas, de romperem com suas vocações fundacionais, voltando-se exclusivamente para dentro de si mesmas, implodindo seus valores primordiais.

Voltemos aos termos que foram apresentados à guisa de introdução. 'Kerigma' é a mensagem, a anunciação, a provocação de toda revolução, no contexto bíblico, esta revolução não é política, nem social, mas reflete nestas e em todas as demais relações humanas posto que é uma revolução intimista, partindo de dentro para fora, uma transformação de ordem espiritual que reflete em todos os aspectos da vida. 'Koinonia' é a comunhão, a expressão relacional da conversão provocada pelo Evangelho anunciado, o convívio dos afetos compartilhados nesta nova dimensão social. 'Ekklesia' é a assembleia, a igreja, a reunião das pessoas em torno da sua figura central: O Cristo. A Igreja é a expressão coletiva da transformação individual, análoga do seu par veterotestamentário: 'povo de Israel'.

Como o institucionalismo religioso (eclesiasticismo) imiscui-se nestes três aspectos da vida cristã?

O Kerigma é distorcido, desviado ou até esquecido para dar lugar ao encantamento do discurso institucional. Percebe-se na militância do modelo político conservador, na ênfase moral sobre os costumes e na apologia, em todas as suas formas discretas ou disfarçadas, do "negócio religioso". A Koinonia passa a ser coberta com o verniz social, as pessoas tornam-se membros ocasionais de uma espécie de clube de afins. O convívio é árido, exclusivo e, por vezes, hostil. A Ekklesia é encastelada, confundida com o lugar, o espaço e não o conjunto ou a coletividade. A bandeira denominacional vira a identidade do cristão, a agenda dos líderes estabelecidos afugenta e sufoca novas e potenciais lideranças.

Hoje, este é o maior desafio da Igreja: ser cristão apesar dela. Identificar e combater o institucionalismo, sem esmiuçar as relações, sem alimentar dissensões, sem buscar o engrandecimento patrimonial em seus aspectos materiais, mas resgatar seus valores precípuos, estimulando a participação integral das pessoas, elegendo-as como prioridade absoluta e, assim, talvez, consigamos vencer o eclesiasticismo.

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

A Verdade contra o Relativismo

Em tempos nos quais o relativismo cultural permeia todas as relações humanas, em um mundo pós-moderno, falar em verdade soa ameaçadoramente dogmático e intolerante. O cristianismo, enquanto religião exclusivista e fundamentada na autoridade revelada na Bíblia, opera em acinte aos ideais relativistas que preconizam não haver "uma verdade" ou "A Verdade", mas todas as expressões de religiosidade são válidas e úteis para conduzir o indivíduo à sua paz interior, "todos os caminhos levam a Deus". A sedução deste discurso está configurada pela filosofia humanista que não economiza esforços na dissolução dos conflitos em nome do convívio pacífico e harmonioso entre as pessoas como paradigma para a evolução humana. Temos que admitir, é tentador engajar-se nesta luta pela paz. Mas, que tipo de paz é essa? Uma paz que em nome da diversidade institua-se o pluralismo religioso? Uma paz que negue totalmente a identidade que distingue os diversos sistemas de crenças sobre os quais erigimos nossos valores e, em última instância, nosso próprio caráter? Não! Esta paz fabricada pelo alijamento ideológico e pela planificação das relações humanas acaba por encobrir e anestesiar a expressão individual da fé que aglutina pessoas em torno de suas vivências espirituais.

Interessante notar que a lógica intrínseca do relativismo é disfuncional, contraditória em si mesmo quando afirma: "tudo é relativo!". Ora, se tal frase fosse verdadeira ela mesma deveria ser considerada relativa e, portanto, incompatível com o próprio enunciado tendo em vista que lança mão de uma fraseologia absoluta. Para negar o absolutismo argumenta-se de forma absoluta. Este paradoxo, para quem o defende desta forma, acaba acenando para uma realidade incontestável: de que há um absoluto. A própria linguagem dá testemunho disto. A razão humana não consegue negar, indefinidamente, que haja verdades, leis e fatos sobre os quais a argumentação oposta seja inválida ou mesmo que duas oposições antagônicas sejam impossíveis de serem compatibilizadas por serem opostas e, por isso, excludentes.