domingo, 8 de novembro de 2015

Teologia da resistência

Em dias nos quais testemunhamos uma infindável profusão de seitas dentro do tronco protestante, em sua maioria classificáveis como pertencentes ao famigerado movimento neopentecostal, é imperativa uma teologia que se posicione como ato de resistência diante da flexibilização e até da extinção dos valores cristãos fundados nos princípios bíblicos. Não é privilégio exclusivo destas seitas, com ênfase na falsa teologia da prosperidade e na confissão da fé positiva, o avanço contumaz sobre estes princípios, até mesmo as igrejas históricas e tradicionais vem sendo invadidas pelo universalismo salvacionista e pelo teísmo aberto, desta forma, não há espaço para o conforto denominacional que se apoie na credibilidade de uma razão social ou de uma liderança reconhecida por sua destreza bíblica e doutrinal.

Todos os cristão precisam cavar poços em busca de águas profundas. A teologia é ferramenta para este trabalho, e, também, para o de cavar trincheiras. É necessário resistir a estes e outros "ventos de doutrina" que sopram para alvos distintos daqueles que tem o Mestre como objetivo. Seguir a Jesus de Nazaré é o único caminho, não há outra verdade, não há outra vida. Esta jornada nos trará para perto do projeto divino, renovará nossas esperanças e forças para combater o bom combate. Não podemos perder de vista a nossa vocação cristã que não é, apenas, de ficarmos confinados e entrincheirados em nossos muros institucionais, protegidos por nossa pretensiosa ortodoxia, somos chamados para anunciarmos o Reino, para propagar o Evangelho, este, também, é um ato de resistência.

Não estamos aqui para transformar o mundo em um paraíso na terra. Estamos aqui para fazer a diferença sendo diferentes, auxiliando as pessoas a ter um encontro com Cristo, encontro que buscamos todos os dias, até que Ele venha. Ele é a pedra que na visão de Daniel esmiuçará o monumento da impiedade do governo humano, não cabe aos cristãos estatuir, nesta dispensação, o governo de paz e justiça que Jesus inaugurará com a Igreja em sua segunda vinda, cabe-nos, apenas, anunciá-lo e criar o ambiente necessário para experimentá-lo em vislumbre, como o reflexo imperfeito de um espelho de bronze, até que conheçamos o Rei, da forma que somos conhecidos.

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

A solidão vocacional

"Não fomos feitos para ficarmos sós"

De toda a criação, Deus reconheceu que apenas uma coisa não era boa: que o homem vivesse só. O ser humano é inescapavelmente um ser social e, por isso, toda exceção traz uma marca de sofrimento, inclusive naqueles que, voluntariamente, resolveram afastar-se do convívio em sociedade. Até mesmo estes, talvez, estivessem mais cansados do estilo de vida urbano e das relações sociais repletas de falsidade e interesses mesquinhos, daí uma fuga, até certo ponto, compreensível. É bem verdade que todos temos aspectos da vida em que precisamos experimentar a solidão. Jesus viveu esta solidão de maneira atroz, na cruz - "Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?".

É preciso coragem, integridade e perseverança para atravessarmos os desertos da vida. Eles são necessários para o nosso amadurecimento, para o nosso crescimento espiritual. A solidão é um deserto. Por vezes desejamos apoio, aprovação, reconhecimento, afetos....é natural e não há nada de errado em ter tais necessidades. O convívio familiar, social e na comunidade religiosa deve prover esta necessidade. É um tremendo engano ou pura arrogância, defender que não precisamos do outro e que a decepção não seja uma verdade que pode deixar marcas profundas. Dizer simplesmente "seja você o exemplo do que você deseja pra si" ou ainda: "espelhe-se em Jesus Cristo e não nos outros que são pecadores" parece um lugar comum de fácil sugestão para eximir a nossa responsabilidade de cuidar do outro.

Mais uma vez preciso atacar o institucionalismo religioso. A agenda da instituição, por vezes, é tão sufocante que não permite a relação saudável entre as pessoas. Chamo de "relação saudável" aquele cuidado que podemos ter e que seja recíproco e não apenas uma espécie de balcão de atendimento religioso. O serviço cristão não pode ser profissional, no sentido formal, sob pena de criar um funcionalismo árido focado na atividade programática e não na necessidade das pessoas. É impossível vivermos sem a instituição, mas é imprescindível vencer seus muros, investir nas pessoas enquanto seres com necessidades de afeto e amparo espiritual e não, apenas, como clientes habituais.

Este é o cenário da nossa solidão vocacional. Somos chamados para sermos discípulos de Jesus Cristo, exercendo nossos ministérios, frutificando dons e cuidando dos outros, na parcimônia de quem, às vezes, não é cuidado. Passamos pelo deserto para aprendermos a depender totalmente de Deus. O ambiente é hostil, seco, praticamente sem vida, estamos sozinhos, não há em quem nos apoiarmos, mas é, exatamente, neste silêncio, onde somos provados, somos tentados a abandonar tudo pelo qual somos chamados, assim como nos sentimos abandonados, queremos abandonar, mas é aí onde podemos ouvir a voz de Deus que nos ampara amavelmente: "não temas! Eu sou contigo!".

Acredite, meu irmão, esta solidão vai acabar. Se não acabou ainda é por que resta lições para aprender. Sacrifique tua necessidade do outro com uma dedicação totalmente devotada a Deus e àqueles que te feriram. Este é o teu chamado!

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Quais os limites da teologia?

A teologia, enquanto ramo do conhecimento humano, é aquela que se propõe a delinear o amplo campo de significados acerca de Deus e de sua relação com o homem e o mundo. A relação primeira nasce com o ato divino da criação. Um Deus criador é o primeiro e mais fundamental aspecto a ser abordado pela teologia. A partir desta relação com a criação ocorrem todos os desdobramentos, com a reunião de diversos enunciados doutrinários que suportem as possíveis abordagens teológicas como tentativas humanas de descrever características deste ser Criador.

Quais são os limites desta teologia?

Os limites são estabelecidos pelo próprio Deus. Aprouve somente a ele se revelar. Desta forma, só podemos saber de Deus aquilo que Ele mesmo decidiu revelar, considerando, também, as limitações humanas da compreensão de um ser que transcende nossa própria realidade. Assim, é a mente humana que busca delinear este campo impossível, este misterium tremendum, este ser que, segundo Karl Barth, é 'totalmente outro'. Mas a teologia não subsiste sem um fundamento, sem um alicerce sobre o qual se constroi o edifício do conhecimento acerca de Deus. Este fundamento é a sua própria revelação: nas Escrituras Sagradas e na pessoa de Jesus Cristo. É bem verdade que Ele se nos revela,também, na natureza de tudo que foi criado (Rm 1: 20), inclusive no homem, sua imagem e semelhança.

Nesta viagem, temos muito para desbravar. A Bíblia é o nosso mapa e Jesus é o Norte - é ele quem nos direciona - já podemos singrar o oceano eterno de Deus. O teólogo é, dentre outras metáforas possíveis, um navegante. No entanto, esta navegação não deve permanecer à deriva dos princípios bíblicos, não podemos viver uma aventura teológica para satisfazer devaneios criativos, por mera vaidade intelectual ou mesmo para ostentar um alegado conhecimento especial sobre a espiritualidade, prática comum dos gnósticos e mercadores da fé. Por outro lado, vejo com certa desconfiança aqueles que se aferram em dogmas por pura tradição e não submetem suas crenças ao constante confronto com as Escrituras, evocando as lições declaradas na Palavra de Deus para este século.

O apreço à ortodoxia não deve, com isso, sufocar o frescor do pensamento criativo e da diversidade de dons, mas deve nos direcionar como bons despenseiros da multiforme graça de Deus já não inclinados conforme a concupiscência dos homens, mas segundo a vontade de Deus (1Pe 4: 1-10). Assim crescemos na graça e no conhecimento de Deus, como defensores da sã doutrina que não se deixam levar por ventos estranhos, modismos e subterfúgios de entretenimento religioso, transformando a verdade em injustiça, tornando mais "palatável" a mensagem bíblica que, por vezes, é dura, dolorosa e inconveniente como deve ser para corrigir e resgatar a mente humana do engano e das ilusões da vida.

Teologia que não seja cristocêntrica não passa de vã filosofia.

Prof. Leonardo Leite